domingo, 11 de novembro de 2012

Boredom's not a burden anyone should bear








Os Tool não são uma banda fácil de compreender quando se ouve pela primeira vez. O som é complexo, denso e intrincado. A maioria das letras são crípticas, enigmáticas, dúbias. Vão buscar inspiração à filosofia, à matemática, à psicologia, à espiritualidade.... Os próprios vídeos são muito abstractos e partem da visão artística do Adam Jones (guitarrista).
Uma pessoa para os compreender tem de ter uma mente aberta, tem de ser capaz de ter a percepção que há todo um significado por trás da maioria das músicas. Que há sempre uma intenção e nada é deixado ao acaso. Mas também são uma banda que não se leva demasiado a sério, que não se perde no culto por vezes fanático de muitos fãs que os veneram de forma excessiva. Fãs esses que se for preciso, encontram uma ligação qualquer entre os Tool e as origens do Universo ou o fim do mundo...  

A "Stinkfist" é uma das minhas músicas preferidas. Não só dos Tool mas em geral. Acho-a absolutamente brilhante. Quando foi lançada como single, o nome e certas partes da própria música foram censurados na TV e na rádio. É o que dá aceitar-se as coisas como nos são dadas sem formar um juízo crítico e verdadeiramente reflectido sobre as mesmas. A ideia que era uma música obscena sobre fist-fucking só revela a forma como algumas pessoas se perdem em pormenores, como não estão dispostas a pensar mais a fundo sobre as coisas e a tentar entendê-las. 
É como diz o Timothy Leary antes do início da "Third Eye" (na versão do "Salival"): 

(...) To think for yourself you must question authority and learn how to put yourself in a state of vulnerable open-mindedness, chaotic, confused vulnerability to inform yourself. Think for yourself. (...)

Já li algures numa entrevista ao Maynard J. Keenan (vocalista) que o título da música em si terá sido inspirado num amigo do Danny Carey (baterista) que tinha essa alcunha porque era alguém sem medo de "sujar as mãos", que agarrava todas as oportunidades na vida sem receios e ia atrás do que queria.

O álbum em que está inserida, "Ænima", não é um álbum conceptual mas há uma temática de fundo: evolução e mudança. A evolução da humanidade em direcção a uma consciência superior. Pega em teorias de psicologia de Carl Jung (que eu não conheço a fundo, só o que fui aprendendo precisamente porque queria saber mais sobre o álbum) como o inconsciente colectivo (collective unconscious), arquétipos como Anima/Animus ou a Sombra (the Shadow, que serve de base para outra grande música, a "Forty Six & 2"). 
O álbum é dedicado ao Bill Hicks, um comediante amigo deles que morreu sensivelmente dois anos antes do lançamento deste álbum. Disse o Maynard numa entrevista:


"His ideas were what really resonated with us. I think that's what he really liked about us as well - that we were resonating similar concepts. Unity is the philosophical center. Evolution. Change. Internally and externally. Individually and globally.That's pretty much the gist of his comedy no matter what he was talking about - music, porno, smoking. Whatever it was, it came back to the idea of unity and evolution. Evolving ideas."




É todo um processo díficil, doloroso e moroso evoluir... E pensando novamente no título da música e em toda a polémica que gerou: quando se lê a letra com atenção, há efectivamente uma metáfora relacionada com penetração, com a ideia de entrar num outro nível, de romper com uma situação de forma a chegar a outro lugar. E isto de forma progressiva: 




Finger deep within the borderline (...) Knuckle deep inside the borderline (...) Elbow deep inside the borderline (...) Shoulder deep within the borderline.



Sim, é um bocado perturbante mas é mesmo essa a ideia. 
Existem várias interpretações para esta música como um todo e são bastante interessantes. Há duas que para mim fazem mais sentido. A primeira encara-a como um diálogo entre a Droga e um viciado. O desespero de procurar algum tipo de escape, o peso enorme de encarar a vida sóbrio, a necessidade de se evadir para conseguir sentir alguma coisa. E depois a sedução da Droga que promete eliminar a raíz de todos os problemas e angústias. Consigo ver perfeitamente de onde vem esta interpretação e como se encaixa bem na música, só não me identifico com ela porque nunca passei pelo mesmo. 

A interpretação com a qual me identifico inteiramente tem a ver com a sociedade em que vivemos hoje em dia (a música é de 1996 e parece cada vez mais actual...). 
Um mundo em que estamos ligados mais que nunca uns aos outros, temos todos os meios para isso e no entanto nunca estivémos tão alienados. Alienados uns dos outros, alienados de nós próprios. O ruído é tanto à nossa volta, somos bombardeados com tanta informação e contra-informação que se torna quase impossível sentir alguma coisa. Muitas vezes estamos em piloto automático, completamente anestesiados, adormecidos, desconectados de tudo e de todos, aborrecidos e apáticos. Um sentimento permanente de insatisfação, de deambulação. 

Estaremos realmente vivos? E quando digo vivos é conscientes do que andamos aqui a fazer, conscientes da nossa condição enquanto seres humanos e qual o nosso propósito afinal.  
Chegou-se a um ponto em que só sentindo algo, de forma contundente é que nos vamos dar conta do que andamos aqui a fazer. E então lá vem a imagem mental de novo: finger deep within (e a pessoa continua anestesiada), knuckle deep inside (ainda nada), elbow (idem), shoulder deep within the borderline... Será necessário chegar-se tão fundo para uma pessoa acordar?... 


Something kinda sad about
the way that things have come to be.
Desensitized to everything.
What became of subtlety?

How can this mean anything to me
If I really don't feel a thing at all?

I’ll keep digging ‘till
I feel something.


Até me faz lembrar o "Fight Club": o propósito que a violência serve para os personagens se sentirem vivos.

Não é por gostar tanto desta banda que a acho única, ela é única porque tudo o que li e explorei sobre ela me mostra todo um mundo de possibilidades e me obriga a pensar em muitas coisas. Porque expressa muitas das minhas convicções. É única porque não há outra a fazer algo sequer parecido. 
Faz-me querer saber tudo o que puder sobre assuntos que de outra forma não me iriam atrair. Por natureza vivo muito na minha cabeça, sempre a pensar e a questionar tudo e mais alguma coisa. Dão-me a conhecer esta banda, é óbvio que não consigo descansar enquanto não souber o máximo possível sobre ela... E enquanto não chatear as pessoas à minha volta com isso também, confesso.
Sem falar que a música que fazem é extremamente bem tocada. O "Ænima" e o "Lateralus" são obras-primas. O "Undertow" e o "10,000 Days" também são excelentes álbuns. E é perfeitamente possível apreciá-los em termos musicais sem se ter grande interesse em explorar a parte intelectual. Há quem os adore sem nunca se ter debruçado sobre os assuntos que versam. 

Os Tool fazem música para ser apreciada com tempo, com intenção. É música que vai crescendo em nós conforme vamos percebendo aqui e ali pormenores e pormaioresEu já ouvi centenas e centenas de vezes os álbuns e ainda hoje encontro pequenas subtilezas nas músicas.

Não critico quem não gosta, quem diz que o som é demasiado pesado. Gostos são gostos e não se discutem mas acho que até essas pessoas conseguem reconhecer a qualidade desta banda.  








(E isto era suposto ser só uma pequena introdução a esta música. Está visto que falhei redondamente.)






6 comentários:

  1. Diz-lhes que têm de vir cá Rita. Já lá vão 6 anos, caramba.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nem digas nada!... a culpa é do Maynard e da treta do negócio do vinho. Mais 10,000 days à espera! :P

      Eliminar
  2. Fabuloso post.

    "Um mundo em que estamos ligados mais que nunca uns aos outros, temos todos os meios para isso e no entanto nunca estivemos tão alienados. Alienados uns dos outros, alienados de nós próprios. O ruído é tanto à nossa volta, somos bombardeados com tanta informação e contra-informação que se torna quase impossível sentir alguma coisa. Muitas vezes estamos em piloto automático, completamente anestesiados, adormecidos, desconectados de tudo e de todos, aborrecidos e apáticos. Um sentimento permanente de insatisfação, de deambulação."

    Isto é o que eu gostaria de ter escrito para descrever porque é que eu gosto tanto do "Comfortably Numb", dos Pink Floyd. É isto que sinto às vezes e acho que era sobre isto que o Roger Waters se referia.
    A diferença é que tu puxas para os Tool e eu puxo para os Pink Floyd :P

    Vou reflectir nisto e já passo por aqui para dizer mais qualquer coisa. Fabuloso post. A sério.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada, mesmo! :)

      Eu comecei a ouvir mais Pink Floyd à conta dos Tool. Nota-se a influência que têm neles. Numa das entrevistas que já li ao Maynard J. Keenan ele disse:

      AQ: If I was to say you guys remind me of Pink Floyd, how would you feel about that?

      MJK: That would be a compliment I would think. They were a very artistic band, but it's dangerous territory, because it pushes into the prog rock territory.

      AQ: I guess that's separate ground, because you have a much harder groove. Yet on Aenima, you worked with David Botrill, who's produced King Crimson and Peter Gabriel.

      MJK: I think the most important thing is that we evolve. That's what the album is all about. You definitely have to clear a space.

      ;)

      Grande música, a "Comfortably Numb"! Lembro-me perfeitamente que na primeira vez que prestei atenção à letra pensei: "ah, este sentimento..."

      (por falar em Pink Floyd, vi o "Ted" no outro dia: Meathole...no, that's not right, is it? No. Puddin' hole? Is that what they say? No, it can't be that either, right? Cause how can you have any puddin' if you don't eat your meat?! Ahaha! :P)

      Eliminar
    2. Tudo o que vou vendo e ouvindo acerca dos Tool, incluindo as suas referências, me faz chegar à conclusão que eles ainda vão ser uma das minhas bandas preferidas. Mas ainda não cheguei "lá", isto é, já ouvi, gostei, mas ainda não "clicou". Penso que terá a ver com as minhas fases e o facto de, como o Maynard deixa implícito nesta entrevista, eles serem mais "pesados" que as bandas Prog dos anos 70. Se me permites os rótulos,em vez de Prog Rock, os Tool já serão mais Prog Metal, algo menos chegado ao blues e mais ao metal. Isto embora eu não considere os Pink Floyd Prog Rock (isso serão os Genesis, os Yes, ou os Crimson), os Floyd têm algo que é que completamente diferente. Floyd é Floyd e pronto. :)
      Mas enfim, a verdade é que neste novelo tudo está ligado!

      How can you have any puddin' if you don't eat your meat?!

      Haha como é óbvio também reparei nessa dica do Seth MacFarlane! Aliás, julgando pelas referências constantes aos Queen e, neste caso, aos Floyd, no "Family Guy", o tipo parece ter muito bom gosto no que à música diz respeito. :)

      Eliminar
    3. Isso é bem natural. Não é propriamente banda para "clicar" logo, acho eu. Pelo menos comigo demorou. Lembro-me de ver o vídeo da "Schism" algumas vezes nos canais de música e era-me indiferente, até ao dia em que não sei o que aconteceu mas algo mudou e comecei a querer ouvir mais :)

      Ah, claro! Eles não estão no território do prog rock, já é muito mais prog metal. Mas eu também sou um bocado básica no que toca a "rótulos", fico completamente perdida quando me começam a falar em coisas como sludge metal, death metal, doom metal, crust punk... WTF?! :P

      Queen e Pink Floyd, pronto, ganhou logo a tua admiração :P

      Eliminar